a revista acadêmica de design portuguesa the radical designist teve seu último número, de dezembro de 2015, dedicado às políticas de design. neste contexto publicou uma resenha que preparei para o livro design & desenvolvimento: 40 anos depois, que eu e meu colega josé mauro nunes organizamos, e que foi lançado pela editora blucher no final de outubro de 2015.
compartilho abaixo com vocês a resenha publicada, que pode ser encontrada no seu original neste link.
porquê falar de
políticas de design?
o discurso do design como ferramenta para o desenvolvimento (seja este
econômico, social, ou um ideal de convergência de ambos) se estabelece no
contexto do debate sobre as políticas nacionais de design. este debate, embora
esteja se ampliando nesta última década especialmente a partir da europa e
ásia, ainda é bastante restrito mundialmente no ambiente acadêmico, com raras
publicações, pesquisas e estudos sobre o tema.
por outro lado, há décadas
fala-se da necessidade do design se aproximar das instâncias públicas e dos
órgão governamentais, integrando-se ao rol de ferramentas que estes dispõem
para enfrentar os problemas cada vez mais complexos de gestão e de políticas
públicas. autores como gui bonsiepe, john heskett, victor margolin, alpay er,
brigitte borja de mozota, entre outros, chamam atenção para o tema, que na
academia surgiu inicialmente na área de história do design a partir dos anos
noventa, e em seguida também na área de gestão do design. nos últimos anos, o
crescente interesse sobre o tema parte principalmente do entendimento do design
no contexto da economia criativa – segmento da economia que vem crescendo a
taxas superiores a todos os demais, frequentemente até mesmo que a área
financeira. a convergência de interesses inclui organismos internacionais como
a conferência das nações unidas para o comércio e desenvolvimento (unctad), o
fórum econômico mundial e a comissão europeia, com o apoio de instituições
profissionais como o bureau europeu de associações de design (beda) e o
conselho internacional de sociedades de design industrial (icsid).
conferências, novos estudos, documentos encomendados por órgãos de governo tem
sido gerados em constante progressão a cada ano que passa. fala-se não mais
apenas em políticas de design, mas também no design para as políticas –
reconhecendo a importância de ferramentas do design para a construção de
entendimento e de maior clareza na formulação de políticas públicas. para citar
apenas um documento que ganhou destaque nos últimos anos, design for growth and prosperity relatório do conselho
europeu de lideranças de design editado pela comissão europeia em 2012. nele
diversas recomendações aos países-membros agrupam-se de forma interconectada os
sistemas de inovação, educacionais, de pesquisa, empresas e setor público, com
diversas diretrizes que visam promover o desenvolvimento da economia através do
design.
um panorama fértil e que clama à
mobilização do design – e principalmente aos designers – para ir de encontro às
classes políticas e em especial à sociedade como um todo, na busca de construir
um futuro em que o foco esteja no cidadão, e não apenas na economia e nas
finanças.
a origem há
cinquenta anos: icsid, onu, design e desenvolvimento
desde os anos
sessenta estava em pauta no conselho internacional de sociedades de design
industrial (icsid) a criação de um grupo de trabalho sobre países em
desenvolvimento – conhecido como o icsid’s
working group 4 (ou grupo de trabalho 4, aqui abreviado para gt4). em maio
de 1970, o professor nathan shapira, então diretor do departamento de design da
universidade de nairobi, no quenia, apresentou um “esboço de metas” para a
criação do gt41,
aonde ele elencava alguns fatores que justificavam a instalação desta comissão,
dentre os quais:
“evidências recentes de que o design
industrial torna-se um fator de aceleração do crescimento numa economia em
desenvolvimento, lado a lado com a gestão e a produtividade. (…) a necessidade
de uma orientação competente de design (por parte) de um crescente número de
países em desenvolvimento, e a falta de agências adequadas a preencher esta
lacuna.”
sua experiência no continente africano, iniciada nos anos sessenta, o
habilitava para coordenar o recém-criado grupo de trabalho. sob sua
coordenação, o gt4 promoveu durante o sétimo congresso internacional do icsid
(realizado em ibiza, 1971), dois encontros para debater estratégias de promoção
do design nos países em desenvolvimento2.
no primeiro destes encontros, além da participação de representantes da
tailândia, india, filipinas e brasil, foi registrada também a presença de um
representante da organização das nações unidas para o desenvolvimento
industrial (onudi) – o engenheiro n.k. grigoriev, diretor da divisão de
tecnologia industrial daquela organização. aparentemente este é o primeiro
registro da interação entre o icsid e a onudi (ou unido, na sua sigla em
inglês).
esta
aproximação entre as duas instituições levou à uma parceria, e teve como
resultados iniciais dois documentos que podem ser considerados seminais na
história das políticas de design para países periféricos. o primeiro destes é
um relatório produzido por gui bonsiepe em 1973, e que se intitula desenvolvimento
pelo design3.
o segundo documento, intitulado diretrizes básicas para políticas de design
industrial em países em desenvolvimento4,
foi produzido pelo secretariado da onudi em 1975, como consequência do trabalho
da comissão conjunta icsid e onudi, e reflete de forma resumida o relatório apresentado
por bonsiepe.
ambos os documentos são muito
pouco conhecidos – até mesmo por sua classificação pela onudi como ‘restritos’5.
apesar da sua abrangência6,
sintetizam a ideia (expressa nos títulos dos documentos) sem se propor a
prescrever uma fórmula única para a implementação de políticas de design. são
por isso mesmo referências importantes, e temos a certeza que a sua divulgação
poderia contribuir ainda hoje para a construção ou reestruturação de programas
de design ao redor do mundo. estes documentos, cedidos especialmente pela onudi
para reedição, servem como base para o livro design e desenvolvimento – 40
anos depois, organizado por gabriel patrocínio e josé mauro nunes,
professores e pesquisadores da universidade do estado do rio de janeiro (lançamento
em outubro de 2015 pela editora blücher, de são paulo, brasil).
o livro celebra os quarenta anos
(1975-2015) passados da publicação do documento-síntese da onudi, ao mesmo
tempo em que se procura trazer à tona como esta ideia – o design como uma ferramenta
de desenvolvimento – tem sido abordada ao longo destas quatro décadas nos
diversos países de origem dos autores e co-autores (conforme descrito a seguir).
visões sobre políticas públicas, desenvolvimento industrial, estratégias,
trajetórias convergentes e divergentes, design como ferramenta de consumo, de
competitividade e de desenvolvimento social – um amplo panorama que não se
propõe a ser completo, mas apenas dar início a um debate sobre o tema (ou
reacende-lo).
uma breve descrição do conteúdo do livro:
diferentes autores foram convidados a trazer suas
contribuições a partir do brasil, índia, china, turquia, e incluindo visões
gerais do continente africano e da américa latina, além de um panorama sobre a
europa hoje. somam-se a estes a perspectiva histórica trazida por victor
margolin e os comentários de gui bonsiepe, protagonista original dos fatos que
deram origem ao próprio livro.
abrindo o livro, victor
margolin mapeia o contexto do design para o desenvolvimento no primeiro
capítulo, seguido pelo texto clássico de alpay
er (ozyegin university, istambul) sobre os padrões de desenvolvimento
do design industrial nos países periféricos. a relação dialética entre o design
para necessidade e o design para o desenvolvimento é o texto que se segue, de
autoria de gabriel patrocinio,
discutindo especialmente as atuações de victor papanek e gui bonsiepe neste
panorama. gui bonsiepe responde em
seguida às questões colocadas pelos organizadores do livro, em uma entrevista
exclusiva aonde fala sobre a sua visão sobre aqueles documentos após quatro
décadas. marcos braga e juan buitrago (universidade de são
paulo, usp) trazem a discussão para o contexto da américa latina, seguidos pelo
texto dos economistas robson gonçalves
e roberto aragão (fundação getulio
vargas, fgv, são paulo) abordando o novo desenvolvimentismo e o pensamento
econômico no âmbito da cepal (comissão econômica para a américa latina, órgão
ligado à onu). ravi poovaiah e ajanta sen (instituto de design
industrial, iit bombaim), falam sobre a perspectiva da índia, país que recebeu
a conferência de design de ahmedabad em 1979 que novamente reuniu, sob o mesmo
tema do design para o desenvolvimento, o icsid e a onudi. mugendi m’rithaa, presidente do icsid, fala sobre o papel do design
no continente africano em entrevista concedida aos organizadores, seguido pelos
professores cai jun (universidade
tsinghua, pequim) e sylvia xihui liu
(politécnico de hong kong) que abordam o impressionante desenvolvimento do
design na china. gisele raulik-murphy,
darragh murphy e anna whicher trazem uma perspectiva
europeia sobre o uso do design como ferramenta de desenvolvimento. o professor josé mauro nunes (uerj e fgv),
especialista em consumo e comportamento, e a pesquisadora izabelle vieira trazem uma visão contemporânea dos impasses
enfrentados pelo design frente às mudanças de mercado – em especial o consumo
colaborativo.
o livro se encerra com os dois documentos que
provocaram a sua existência3 e 4, trazidos pela primeira vez ao
conhecimento público após quatro décadas, e espera-se com o potencial de
provocar mais do que apenas debates acadêmicos, mas principalmente reflexão e
maior interação entre designers e agentes públicos.
notas: