quinta-feira, 21 de agosto de 2014

design & economia

(as aventuras de um designer no mundo dos economistas)



há cerca de seis anos, quando decidi fazer o meu doutorado sobre políticas de design, uma das primeiras pessoas com quem conversei a respeito foi o economista e professor da esdi, wandyr hagge. eu acreditava (e continuo acreditando), que políticas de design são uma ferramenta de promoção do desenvolvimento, e portanto dizem respeito sobretudo à economia. ao ser convidado para fazer meu doutorado na universidade de cranfield, pesou na decisão o fato da escola de negócios de cranfield ser uma das maiores referências mundiais na área de gestão, e que esta escola teria (tem) uma interação contínua com o centro de design competitivo e criativo, o c4d. finalmente, duas das maiores referências na construção da minha pesquisa e do meu pensamento sobre políticas de design foram um designer que sempre enfatizou o papel relevante do design dentro da economia e da promoção do desenvolvimento (gui bonsiepe) e um economista britânico com quem tive a grata satisfação de discutir mais de uma vez o conteúdo do meu trabalho, o professor john heskett. ao voltar para o brasil, em 2013, fui convidado pela economista lídia goldenstein para participar de um debate fechado no british council, em são paulo, sobre economia criativa assunto sobre o qual escrevi recentemente aqui no blog (este debate deve virar livro em breve). tenho encontrado ainda alguns bons interlocutores na área da economia, dispostos a considerarem do design para além do óbvio, e isso me conduziu a excelentes diálogos e descobertas, que eu gostaria de explorar ainda mais e melhor futuramente.

coerente com essas experiências, decidi ir mais fundo na semana passada, e assistir a um seminário de e para economistas, que tratava sobre economia e desenvolvimento, e foi promovido pelo centro de altos estudos brasil século xxi, que é um programa do centro de gestão e estudos estratégicos (cgee). o seminário brasil em perspectiva reuniu no rio de janeiro, nos dias 14 e 15 agosto de 2014, economistas do quilate de maria da conceição tavaressamuel pinheiro guimarães neto, e ricardo bielschowsky, para citar apenas alguns (para ser justo, havia também alguns poucos geógrafos, planejadores públicos, e talvez uma ou outra especialidade). estruturado em cinco mesas, o seminário abordou os seguintes temas:

• geopolítica do desenvolvimento
• construção do estado de bem estar social
• frentes estratégicas de expansão econômica
• marco macroeconômico do modelo de desenvolvimento brasileiro
• a questão urbana e o ordenamento do espaço econômico

devo dizer que, antes de mais nada, aprendi bastante com as magníficas aulas recebidas de tantos mestres. desde a abertura do evento com o economista samuel guimarães, com o seu discurso extremamente cético e quase fatalista (para dizer pouco), que ao final fez a platéia rir quando tentou explicar que sua apresentação encobria na verdade uma visão otimista de futuro! tanto ele como josé carlos braga e outros palestrantes destacaram que a herança de bretton woods (o chamado "consendo de washington") está em xeque e caminha para uma mudança significativa. o banco mundial (bm) e o fundo monetário internacional (fmi), criados a partir de bretton woods respectivamente para prover recursos para investimento em infraestrutura (bm) e para restabelecer o equilíbrio interno das economias dos países periféricos (fmi), tem hoje os seus papéis questionados com a recente proposta da criação do chamado banco dos brics. o novo banco de desenvolvimento foi criado agora em julho de 2014, durante a conferência dos brics em fortaleza. segundo os palestrantes, o grande diferencial e vantagem do banco dos brics é seu desatrelamento das condicionantes políticas que sempre caracterizaram a atuação do banco mundial e do fundo monetário internacional. embora as relações econômicas entre os países dos brics seja considerada ainda no nível das relações bilaterais (ou até tênues, como foi dito em relação às relações do brasil com a rússia e africa do sul), esta ação conjunta deverá "preservar a capacidade soberana de desenvolver as políticas internas".

clemente ganz lucio, do dieese, chamou a atenção para o déficit estrutural da qualificação da força de trabalho no brasil. segundo dados que ele citou, as pequenas e médias empresas (pme) brasileiras atingem apenas 10% da produtividade das grandes empresas, enquanto em países como a frança e alemanha as pequenas empresas atingem índices de produtividade de 50% e 60% respectivamente. além disso, cerca de 80% dos empregos gerados nas nossas pme tem faixa salarial média de 1,5 salário mínimo. define-se com isso uma verdadeira crise de produtividade vivida em nossas pequenas empresas, em que pese a nossa vivência atual de uma melhor articulação do crescimento econômico com os objetivos sociais, segundo destacou eduardo fagnani (instituto de economia da unicamp). com nosso crescimento puxado pela demanda doméstica (segundo esther dweck, citando thomas palley, 2002), vivemos no que ricardo bielschowsky identifica como a terceira fase do desenvolvimento brasileiro desde os anos cinquenta, aonde o nosso desafio maior está na indústria de transformação. 

a extrema concentração da nossa indústria foi exemplificada por rodrigo simões (ufmg e ipea) como o que ele chamou de "fordismo periférico": na década de setenta, 6 entre cada 10 produtos consumidos no brasil eram produzidos no estado de são paulo, sendo 4 destes produzidos na cidade de são paulo. simões chamou a atenção também para o abuso do modelo de arranjos produtivos locais, ou apls, dizendo que muitas vezes ocorre a montagem forçada de arranjos artificiais e ineficientes, bem pouco produtivos e sem tanta identidade local.

josé eduardo cassiolato (ufrj) tratou de alguns assuntos especialmente relevantes para designers, a começar pela comoditização da produção, citando como exemplo a produção de roupas em bangladesh e os malefícios enormes que decorrem desse processo - alimentados pela voracidade do consumo na indústria da moda de baixo custo. falou ainda das políticas de estímulo industrial, aonde o papel do estado deve se fazer presente também nas compras públicas, como um importante instrumento de desenvolvimento de setores industriais. segundo ele, estamos vivendo a emergência de um novo paradigma produtivo ancorado na sustentabilidade - o "green new deal". estimativas feitas pelo hsbc (climate for recovery - the colour os stimulus goes green, 25 february 2009) avaliam que os estímulos econômicos regionais para desenvolvimento sustentável ("green stimulus") alcançavam 430 bilhões de dólares em 2009, sendo que somente a china contribuía com 221 bilhões desse montante, e os estados unidos com 112 bilhões. toda essa disponibilidade deve ser utilizada com propriedade, evitando-se por exemplo a importação de tecnologias inadequadas (qualquer semelhança com o que o designer gui bonsiepe diz desde os anos setenta não deve ser mera coincidência!). foi mencionada como exemplo a importação de captadores eólicos para o nordeste brasileiro a um custo desnecessariamente alto, uma vez que estavam projetados para enfrentar ventos multidirecionais em rajadas e temperaturas muito baixas (padrão europeu) ao invés de considerar os ventos mais direcionados e altas temperaturas do nordeste brasileiro. não houve, segundo cassiolato, a necessaria interação entre as empresas transnacionais e os institutos de pesquisa e universidades brasileiras, nem a correta aplicação dos recursos disponíveis para cti (ciência, tecnologia & inovação), a não ser como mecanismo de suporte ao repasse de lucros para as matrizes dessas empresas. cassiolato aponta ainda os baixos recursos disponíveis para a inovação social - frente à ampla disponibilidade para indústrias de base científica e tecnológica, e até mesmo ao volume de recursos repassados às indústrias automobilísticas no país. 

enfim, são muitos temas para o design atuar e para designers debaterem e se envolverem na busca de soluções para o desenvolvimento econômico nacional, regional e local! e muitas oportunidades para dialogarmos mais com o pensamento econômico na construção de políticas públicas. certamente o design pode ser uma ferramenta efetiva e eficaz para tratar dos muitos passivos decorrentes dos desafios sociais e ambientais gerados pelo desenvolvimento econômico, agregando estratégias de enfrentamento dos problemas e da construcão coletiva de soluções sustentáveis.

obviamente não perdi a oportunidade de lembrar aos participantes do seminário que já em 1882 ruy barbosa, em discurso da inauguração do liceu de artes e ofícios no rio de janeiro, falava do enorme potencial competitivo do nosso país, além de condenar a economia baseada exclusivamente na exportacão de recursos naturais não-manufaturados e outras commodities. melhor ainda, ruy barbosa apontava a importância do design para construir um caminho de industrialização e de competitividade associada ao nosso potencial inovador e os recursos naturais disponíveis, que podem gerar produtos com alto valor agregado para exportação. 

exemplos não nos faltam, competência também não - mas talvez estejamos com muita frequência errando o alvo na nossa atuação profissional. certamente nos falta dialogar muito mais com a área da economia, assim como interagir com muito mais frequência e intensidade com o governo em todos os níveis.


(...e que me desculpem os economistas pelo excesso de simplificação, mas foi o pouco que pude absorver de tanta informação de qualidade concentrada em dois dias intensos)

ps: ao final do evento, houve a exibição do excelente documentário "um sonho intenso", seguida de debate com o diretor josé mariani, o economista ricardo bielschowsky e o jornalista luis nassif. excelente filme que eu recomendo a todos que queiram entender um pouco sobre economia no brasil do século vinte ao vinte e um. leia aqui um artigo sobre o filme e assista o trailer.


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